Maior parte do setor enxerga alteração como positiva, mas não crê em grandes impactos no preço do combustível
Aprovada na noite da última quinta-feira, 25, na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória 1063/21, que dá respaldo para que os postos de combustíveis comprem etanol hidratado diretamente de produtores e importadores, não deve surtir grande efeito no mercado. Isso porque especialistas apontam que são poucos os estabelecimentos com capacidade robusta para suprir a necessidade da compra por meio das distribuidoras a ponto de ganhar eficiência. Há, no entanto, um grande otimismo com a abertura do setor, que pode, eventualmente, ocasionar em preços mais baratos para o consumidor.
Segundo o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi, o texto aprovado na Câmara (e que ainda será apreciado no Senado) é consenso em todo o setor produtivo e foi discutido por vários anos. Ele acredita que ainda é cedo para determinar os ganhos que a medida trará para o bolso do consumidor.
“Não é possível dimensionar com exatidão qual será o ganho em virtude da complexidade da cadeia e das dimensões continentais do Brasil. Sem dúvida, o nosso grande desejo é que o etanol, símbolo de sustentabilidade, seja acessível a todos os brasileiros”, afirmou.
Ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o engenheiro Décio Oddone, hoje CEO da Enauta, confirma que a possibilidade de venda direta do etanol aos postos de combustíveis é uma pauta difundida há tempos no setor, mas que a proposta não andou por falta de consenso em relação à tributação da venda direta.
“A gente não tomou uma decisão, quando eu estava na ANP, porque não seria possível autorizar a venda direta sem mexer na tributação”, relata e segue: “Primeiro, porque cortaria a parte da arrecadação que hoje o distribuidor é responsável; segundo, porque criaria uma distribuição desleal, em que a venda via distribuidora pagaria mais impostos do que a venda direta. Corrigindo-se isto, eu sou favorável”.
Para evitar distorções competitivas nas formas de arrecadação, o projeto prevê que, caso o importador exerça a função de distribuidor ou se o revendedor varejista fizer a importação, eles terão de pagar as alíquotas de PIS/Cofins devidas pelo produtor ou importador e pelo distribuidor. No caso das alíquotas sobre a receita bruta, isso significa 5,25% de PIS e 24,15% de Cofins. A regra se aplica ainda às alíquotas ad valorem, taxa que representa o custo do seguro da carga, fixadas por metro cúbico.
Em relação ao etanol anidro (sem água), utilizado para mistura à gasolina, a MP acaba com a isenção desses dois tributos para o distribuidor, que passará a pagar 1,5% de PIS e 6,9% de Cofins sobre esse etanol misturado à gasolina. A maior parte das importações de etanol é desse tipo.
O intuito da proposta, de acordo com o deputado Augusto Coutinho (Solidariedade-PE), é reduzir os custos com o frete, fazendo com que isso se reflita em um biocombustível mais barato na ponta. Para Oddone, a princípio, a redução dos preços deve se dar apenas em algumas localidades.
“Pode ter algum impacto na ponta, principalmente no caso em que o posto que efetue a compra direta fique bem localizado em relação à produtora. Mesmo assim, nós estamos falando apenas de centavos. A margem de distribuição e revenda em combustíveis fixos no Brasil é da ordem de 10%. A redução seria em função desta margem”, aponta.
Uma das principais produtoras de etanol no país, a Uisa (antiga Usinas Itamarati) quer esperar para saber como se dará a aplicação da medida, mas acredita que, ao menos em um primeiro momento, as distribuidoras continuarão sendo parte importante dos negócios da empresa.
“Eu estou bem cético quanto à mudança no setor e à praticidade desta medida. O primeiro ponto é que é complexo para uma empresa do tamanho de uma usina fazer uma venda para um posto. Você precisa ter o cadastramento desse estabelecimento, ter uma aprovação de limite de crédito, para fazer vendas em volumes representativos”, diz o CEO da Uisa, José Fernando Mazuca Filho.
“Vejo pouco efeito prático nesta MP. Não acredito que isso vá mudar muito a vida das usinas, sobretudo as que estão no Sudeste. Claro que uma ou outra vai se beneficiar agora, mas eu vejo pouco efeito prático no curto e médio prazo”, ressalta.
Felipe Mendes
Fonte:Veja.com