Após as modificações no substitutivo da PEC 45/2019, na Câmara, o setor de etanol ficou menos refratário à possibilidade de implementação do regime monofásico para o hidratado, que concorre diretamente com a gasolina comum.
A redação final do relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), retirou o dispositivo que vedava a apropriação de créditos nas operações interestaduais não relacionadas com distribuição, comercialização e revenda.
Com isso, a reclamação dos usineiros produtores foi atendida. Isso abre caminho para que o etanol hidratado seja efetivamente incorporado ao modelo tributário que, em linha com a reforma do ICMS prevista na lei 192/2022, já está em vigor para o diesel e gasolina comum, que é vendida misturada com o etanol anidro.
Após a sucessão de ações judiciais, o governo federal chegou a um acordo mediado pelo ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF) para manter a cobrança do ICMS ad rem, monofásico e uniforme para todo o território nacional.
Antes, a venda de combustíveis era tributada por substituição: as refinarias recolhiam o imposto percentual sobre preços médios praticados no varejo, em uma operação considerada complexa pelo mercado e o fisco federal.
As negociações estão agora no Senado Federal, que vai analisar o texto da emenda constitucional aprovada na Câmara e realizar ou não alterações. O relator é Eduardo Braga (MDB-AM), ex-ministro de Minas e Energia no governo de Dilma Rousseff.
As negociações serão retomadas nesta semana, com a volta dos trabalhos legislativos.
Reforma do etanol hidratado não é consenso
O presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, Mário Campos Filho, observa que o assunto ainda não é um consenso dentro do setor.
No entanto, embora ele não considere “impossível” a hipótese de mudanças no Senado, diz acreditar que “fica mais difícil retroagir” em relação à monofasia para o etanol hidratado, pois houve um “direcionamento” claro da Câmara.
“Não é um assunto que tenha uma coesão dentro do setor. A monofasia é considerada ruim para uns, outros enxergam com neutralidade, e há aqueles que consideram que pode ser algo bom para o mercado. Mas a gente tem que ver o pacote como um tudo”, disse ele à agência EPBR.
Durante o processo de discussão da reforma tributária na Câmara, os usineiros pressionaram os deputados para que o biocombustível não fosse incorporado ao regime monofásico.
Apesar do lobby, o relator Aguinaldo Ribeiro e o coordenador do grupo de trabalho instalado na Casa para analisar a PEC, Reginaldo Lopes (PT-MG), manifestaram posição favorável à monofasia desde o início do diálogo.
Há um entendimento comum entre várias lideranças de que o novo sistema, com a cobrança do IBS (que substituirá o ICMS) em um único elo na cadeia, pode ajudar a combater a sonegação. É a mesma posição sustentada pelo Instituto Combustível Legal (ICL).
Da forma como o texto da PEC 45/2019 foi aprovado, contudo, a confirmação da reforma caberá à regulamentação posterior, por lei complementar.
Mudança de última hora
A vedação dos créditos era uma briga prioritária do mercado de biocombustíveis, pois a monofasia acaba, em tese, com o sistema de creditamento nas cadeias que possuem um longo fluxo de aquisição de insumos – como é o caso das usinas de etanol e biodiesel, por exemplo.
Entidades do setor de óleo e gás, como o IBP, juntaram-se aos esforços sob alegação de que poderia ocorrer majoração da carga tributária e, consequentemente, aumento de preços na ponta.
A pressão do mercado de combustíveis no Congresso deu certo e a alteração no texto da PEC para garantir a apropriação de créditos ocorreu no apagar das luzes da votação da reforma no plenário da Câmara, sendo inserida na última versão do texto do substitutivo do relator.
Inicialmente, o dispositivo vedava de forma integral a apropriação de créditos para os combustíveis.
Já a redação final delimita essa proibição, fixando-a para as operações de distribuição, comercialização e revenda, e possibilitando o creditamento por contribuinte do imposto.
Assim, em um cenário hipotético, uma usina poderia, por exemplo, adquirir mil litros de óleo diesel para consumo destinado à produção sucroenergética com uma alíquota de valor agregado de 25%. Seria gerado então um crédito de R$ 250, a ser compensado no recolhimento do imposto referente à venda ao agente distribuidor ou ao posto de bandeira branca, isto é, na saída do etanol.
Por sua vez, os agentes de distribuição e revenda responsáveis pela compra do álcool-combustível não teriam direito a créditos.
Como o regime de monofasia prevê a incidência em uma única etapa, caberá ao produtor de etanol hidratado fazer o recolhimento do IVA pela cadeia inteira, descontados os créditos a que tem direito.
Tributo menor para etanol
Além da questão dos créditos, os usineiros também conseguiram garantir na PEC 45/2019 uma vinculação textual do novo modelo tributário – a ser definido por lei complementar – com as diretrizes da EC 123/2022.
A emenda obriga o país a “manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final” e garante um preço atrativo nos postos em comparação com o combustível fóssil.
Esse é um ponto relevante porque, em tese, o equacionamento das alíquotas da CBS e do IBS, além da possível aplicação do imposto seletivo, precisará respeitar o diferencial de competitividade previsto pela EC 123/2019, atualmente atrelado ao patamar de maio de 2022, de R$ 0,45 centavos por litro.
A calibragem dos percentuais será definida via lei complementar. Essa garantia constitucional de redução da carga tributária do etanol frente à gasolina comum foi conquistada pelo setor durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), com apoio da base do ex-presidente.
Hoje, além da parcela federal (igual para todos os entes), cada estado define a sua alíquota. Os usineiros querem, portanto, que o referencial para a adoção de um valor padrão seja o menor patamar possível, como Minas Gerais (9,29%) e São Paulo (12%), principais polos produtores e de consumo do etanol hidratado.
No Amazonas, Piauí e Tocantins, por exemplo, a alíquota de ICMS é de 20%. “Não posso pegar como regra para ter uma alíquota nacional estados onde o ICMS é mais alto, sem o diferencial tributário”, afirma Mário Campos Filho.
“Vamos ter que pegar os maiores diferenciais, como São Paulo e Minas, para basear essa unificação de alíquotas do etanol hidratado no Brasil todo, sem que a gente perca a competitividade garantida pela emenda constitucional e que hoje existe nos estados que são grandes consumidores”.
Proposta de transição
Entusiasta da monofasia, o Instituto Combustível Legal (ICL) vem estudando uma forma de convencer o setor do etanol sobre os benefícios que existem nesse novo regime tributário, de acordo com a visão da entidade.
O presidente do ICL, Emerson Kapaz, afirmou à EPBR que uma das ideias que estão sobre a mesa para o diálogo com o relator no Senado, Eduardo Braga, é a adesão voluntária de agentes do mercado de etanol hidratado em um prazo delimitado de transição. Essa sugestão ainda não foi formalizada.
“Você poderia criar uma possibilidade, e estamos estudando isso com tributaristas, para entrada opcional [na monofasia] por um período de tempo, por exemplo, por x meses. Nesse período, ficaria preservada a possibilidade de aproveitamento do crédito que fica nas empresas”, explicou Kapaz.
Na visão do instituto, o mecanismo seria uma forma de “incentivar as empresas que já têm créditos” a migrarem para o regime monofásico, de forma gradual.
“Não pode o etanol hidratado ficar fora. Fora da monofasia, ele é um problema. O que está acontecendo hoje? Como está fora, alguns estados já subiram o ICMS. São Paulo foi de 9% para 12%. Um outro vai lá e sobe para 11%. Já começou, nos estados, uma tributação de ICMS [mais elevada] em cima do etanol hidratado”.
O volume de venda de etanol hidratado recuou 11% nos primeiros cinco meses de 2023, na comparação anual, enquanto a gasolina comum avançou 16% no mesmo período, segundo os dados mais recentes publicados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A retomada do consumo de combustíveis caiu em 2020 e 2021, em razão da pandemia, e na recuperação da demanda em 2022, a demanda por gasolina subiu 9%, enquanto o hidratado caiu 8%, refletindo a desoneração do combustível fóssil.
“Com o diferencial menor, cai o consumo. As pessoas colocam só gasolina no carro, não consomem o etanol”, conclui Kapaz.
Fonte:https://www.novacana.com/
Comments