A partir do próximo ano, indústrias e comércios que usam voltagem acima de 2,3 kV poderão negociar preços e fazer contratos direto com quem gera energia. Confira abaixo como é o mercado livre de energia e o que muda em 2024.
O que está acontecendo
A partir de janeiro de 2024 as pequenas empresas poderão escolher de quem comprar energia. Isso significa tirar a distribuidora intermediária do caminho.
No Brasil, há duas maneiras do consumidor comprar energia, e uma delas é pela concessionária. Esse é o ACR (Ambiente de Contratação Regulada), em que as concessionárias fornecem energia aos consumidores. O preço é regulado e o consumidor paga pelo consumo, pelas taxas e o valor de diferentes bandeiras tarifárias. Vale para residências e empresas.
A outra maneira é pelo Mercado Livre de Energia ou ACL (Ambiente de Contratação Livre). O consumidor pode negociar com o fornecedor e escolher de quem comprar eletricidade. Por enquanto, não vale para as residências.
Quem pode entrar no mercado livre de energia
Quem usa alta tensão (Grupo A), como comércio e indústrias que precisam de voltagem acima de 2,3 quilovolts (kV), pode escolher o próprio fornecedor de energia. O mercado de energia livre existe desde 1966. Antes, era só para quem consumia mais de 500 kV. Agora, este limite mudou para quem usa carga inferior. A partir de janeiro do próximo ano, o Grupo A vai poder negociar os preços e estabelecer contratos com fonte e prazo.
Antes, as regras para a migração limitavam a contratação para consumidores. A demanda tinha que ser acima de 1.000 quilowatts (kW) ou 500 kW — grandes indústrias como metalúrgicas, por exemplo. Já em setembro de 2022, o governo federal publicou uma portaria que permite que todos os outros consumidores ligados em alta tensão possam usufruir do mercado livre de energia.
Agora, qualquer tipo de negócio, como padaria ou restaurante, pode ser beneficiado. A nova rodada de abertura do mercado permite migrar se a unidade consumir energia elétrica em alta tensão.
Para os consumidores em baixa tensão continua o mesmo sistema. A maioria da população, como os residenciais e rurais, usa energia em um nível muito menor do que grandes empresas e permanecem tendo que comprar da distribuidora local.
A partir de 2024, todos os consumidores do Grupo A poderão comprar energia no mercado livre, desde que sejam representados por um agente varejista na CCEE, que consolida essas cargas.
Aneel, Agência Nacional de Energia Elétrica
Como funciona o mercado livre de energia
Os fornecedores e consumidores negociam as condições de compra e venda de energia. Fatores como preços, prazos, fonte da geração e flexibilidades são discutidos entre as duas partes, em em vez de ser apenas repassado como fazem as distribuidoras locais.Não há um teto máximo regulado pelo governo. Como o próprio nome diz "livre", quer dizer que as tarifas são livremente negociadas entre o fornecedor e a distribuidora, sem nenhuma interferência.
A energia pode ser comprada de qualquer lugar do país. Se a indústria cumprir os requisitos para poder migrar do mercado regulado para o mercado livre de energia, poderá comprar de qualquer região do Brasil. Uma indústria no Paraná poderá comprar energia de uma comercializadora em São Paulo que venderá energia elétrica gerada em usina solar na Bahia ou em usina eólica no Piauí, exemplifica o presidente da Associação Brasileira.
Também tem como comprar combos de serviços. O consumidor consegue comprar energia elétrica em pacotes com outros serviços, como consultoria em eficiência energética e certificado de energia renovável (iRecs). Esses combos são similares aos comercializados no mercado de telefonia, onde se pode comprar telefonia com internet e TV a cabo.
O Brasil se divide entre Grupo A e B
O consumidor é alocado no Grupo A (média e alta tensão) ou B (baixa tensão). Isso é feito a partir de uma avaliação da distribuidora de energia, que pode envolver inclusive vistorias nos locais, para determinar o consumo e a potência necessária para atender os usuários.
O Grupo A é composto por unidades que consomem muita energia. São consumidoras com conexão em tensão maior ou igual a 2,3 kV, ou atendidas a partir de sistema subterrâneo de distribuição em tensão menor que 2,3 kV. Enquanto o Grupo B se encaixam os consumidores residenciais ou rurais.
O Brasil tem cerca de 89 milhões de unidades consumidoras de energia, em que cada unidade equivale a um medidor de energia. A maioria está no Grupo B.
Rodrigo Ferreira, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
37 mil unidades consumidoras já estão no mercado livre
Por mais que a nova regra só vá valer em 2024, o efeito já começa a ser sentido. Dentro do Grupo A, que soma 202 mil unidades consumidoras, há 37 mil unidades consumidoras que já estão no mercado livre, 93 mil unidades que aderiram ao modelo de geração distribuída e ainda há 72 mil unidades consumidoras com condições para migrar, informou o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
A migração para o mercado livre de energia não é complicada. O consumidor deve notificar a sua distribuidora seis meses antes do vencimento do contrato anual de prestação de serviços. A partir de janeiro, o processo será via uma comercializadora varejista, que é uma empresa que os representará junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
A Aneel registrou 8,7 mil consumidores dessa categoria em fase de transição. Das 72 mil empresas mapeadas com condições de migrar, cerca de 8.700 já avisaram as distribuidoras e rescindiram o contrato. Existe uma expectativa na elevação do número de consumidores migrando para o ambiente livre por ser mais uma opção, pontua a Agência Nacional.
A maioria dessas empresas mudará em janeiro de 2024. Enquanto o restante migrará nos meses seguintes. A CCEE estima que 24 mil consumidores deverão mudar para o mercado livre no próximo ano, o que estabelece um patamar recorde na busca pela energia no mercado livre, afirma Ferreira.
Mais economia de energia elétrica
Os preços de aquisição de energia são menores no mercado livre. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a tarifa pode cair de 15% a 20% para os consumidores que migrarem.
O grande motivo para a mudança é a economia. As empresas conseguem economizar até 30% de energia e, em alguns casos pontuais, até mais. Quem paga um valor menor pode ficar incentivado a consumir mais e consequentemente, passar a produzir mais, explica Dyonisio.
A distribuição não é afetada. Uma coisa é comercializar energia e outra é distribuir. Enquanto no mercado regulado ambas são feitas pela distribuidora local, no mercado livre de energia é possível comercializar com quem você quiser e a distribuição é pelo regime de concessão. Assim, o consumidor que vai para o novo mercado irá pagar duas faturas de energia.
O setor está aquecido. Outro ponto levantado é que isso gera mais competitividade no mercado. A área comercial está gerando emprego e atraindo novos negócios, o que pode causar um investimento maior para o segmento elétrico e melhorar o serviço prestado, diz o especialista em energia.
Conta de luz não aumenta para os brasileiros
Ainda não há impacto negativo na conta de luz para os consumidores comuns. Quem faz parte do Grupo B, como residências e pequenas empresas, nada muda pela abertura do mercado, pois recebem energia em baixa tensão. Neste momento, essa categoria não está entre os beneficiados, mas também não terão acréscimo de valor por causa disso.
O aumento do preço da eletricidade depende de outras condições. Não há como afirmar com toda a certeza que a conta de luz da maior parte da população não suba, já que é refém das flutuações do mercado que podem ser afetadas por vários fatores como condições climáticas, por exemplo.
A mudança pode ser prejudicial a longo prazo. O consumidor que migra para o mercado livre de energia deixa de comprar com a distribuidora. Com isso, há um excedente de energia que pode se tornar um prejuízo. Pensando mais no brasileiro que consome energia em baixa tensão, o déficit da distribuidora local que atende esses usuários pode aumentar a tarifa para compensar a perda.
A distribuidora pode vender o excedente de energia para o mercado livre, mas como os preços estão mais baixos nessa rodada de negociação, pode acabar tendo prejuízo e repassar para os consumidores, subindo a conta de luz.
Vinicius Dyonisio, engenheiro mecânico e mestrando em energia pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE/USP).
Fonte:https://economia.uol.com.br/
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