Nos últimos meses, o empresário Leandro Borgo, presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio e Amônia Verdes, tem passado boa parte de seu tempo em reuniões online com representantes do governo da Alemanha e outros países europeus, além de autoridades brasileiras. O objetivo é discutir a participação em leilões do setor e modelos de contratação de energia limpa na Europa.
O Brasil tem se apresentado como um player particularmente interessado em participar do fornecimento de hidrogênio verde, obtido a partir da eletrólise da água realizada com fontes renováveis, nas quais o país é rico. A perspectiva é que a produção de energia renovável continue a crescer -- até 2030, o país deve gerar um volume adicional de quase 110 mil GW de energia solar, 28 mil GW de eólica e 3.500 GW de biomassa.
As conversas sobre a exportação de hidrogênio acontecem em um momento oportuno. A Alemanha realizou o primeiro leilão internacional para importar hidrogênio verde em dezembro de 2022 e pretende promover outros até 2033, mediante investimentos de 900 milhões de euros. Em abril deste ano, a Holanda anunciou que vai disponibilizar 300 milhões de euros para participar dos leilões -- países como a Bélgica e a Áustria revelaram a intenção de seguir os passos do governo holandês.
A União Europeia deve demandar a importação de 10 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030. Visto que a produção só começou a ganhar fôlego agora e muitos projetos ainda precisam sair do papel, trata-se de um desafio e tanto. Considerando a capacidade atual das usinas de hidrogênio verde, de 200 toneladas por ano, seriam necessárias milhares de plantas distribuídas pelo mundo para atender essa demanda. Mesmo que a meta de importação esteja superdimensionada, ainda assim será preciso trabalhar duro para acelerar a produção de hidrogênio -- e quem largar na frente pode ter vantagens competitivas.
"A Europa está disposta de fato a se descarbonizar, o que vem abrindo janelas de oportunidade para a produção de hidrogênio verde no Brasil, em que a produção de energia renovável cresceu muito nos últimos anos", diz Borgo.
Um conjunto de players vêm unindo esforços para colocar de pé a cadeia de hidrogênio verde no país. Os estados do nordeste, com acesso mais próximo ao continente europeu, largaram na frente, com portos e empresas investindo em novos projetos. Em Pernambuco, a White Martins começou a operar uma usina de hidrogênio verde, inicialmente para atender o mercado local.
Outras empresas, como a Unigel, pretendem começar a produção no ano que vem -- a Petrobras assinou um acordo com a empresa para estudar a realização conjunta de negócios em hidrogênio verde e projetos de baixo carbono. A Casa dos Ventos, de energia eólica, instalou 80 turbinas para abastecer a Unigel, na Bahia. A Qair, por sua vez, divulgou investimentos de mais de R$ 3,8 bilhões em usinas de hidrogênio verde no Nordeste com a meta de atender o mercado internacional.
Ao mesmo tempo, o porto de Suape prepara o lançamento de um hub de inovação de hidrogênio verde em conjunto com o Senai e a iniciativa privada. Um dos principais objetivos é a criação de novas tecnologias que ajudem a reduzir custos de produção, armazenamento e transporte.
A Czarnikow acaba de anunciar sua participação no projeto. "Nossa intenção é transportar hidrogênio no mercado doméstico e no exterior. Também pretendemos conectar produtores de hidrogênio verde a empresas interessadas em comprá-lo, ajudando a impulsionar a cadeia de produção no Brasil", diz Gabriela Andri, head de energia da Czarnikow.
Embora o setor já conte com fornecedores de equipamentos essenciais, como eletrolisadores, ainda falta expandir a fabricação de tanques, compressores e refrigeradores. "Aconteceu algo parecido com o setor de energia eólica e solar, em que houve uma expansão de toda a cadeia conforme o mercado foi se estruturando, com redução de custos e ganho de escala", analisa Borgo. "O mesmo deve acontecer com o hidrogênio verde".
A criação de incentivos fiscais também está em pauta. Empresários do setor de energias renováveis se encontraram recentemente com Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, para debater o assunto. Na ocasião, discutiu-se também a geração de hidrogênio através da queima de biomassa de cana de açúcar e do aproveitamento do etanol.
Em São Paulo, afinal, o que não falta é cana. O estado é responsável por quase 60% da produção de cana e metade da geração de etanol no Brasil.
Já foi dado o pontapé inicial na produção de hidrogênio a partir do etanol. Um consórcio formado pela Raízen, Shell, Hytron, Senai e USP (Universidade de São Paulo) lançou um programa para a conversão do etanol. A planta-piloto será inaugurada em agosto no campus universitário. A intenção é abastecer um ônibus experimental, alimentado com hidrogênio, que deverá rodar pela USP.
No Brasil, o hidrogênio deverá ser utilizado como fonte de energia para o transporte e uma série de outras finalidades, como a descarbonização do setor de petróleo e gás, mineração e siderurgia. Para viabilizar o cenário de oportunidades de médio e longo prazo, no entanto, o país precisará de investimentos de peso, da ordem de R$ 200 bilhões até 2040, incluindo uma expressiva capacidade adicional de geração de energias renováveis, conforme aponta um estudo da McKinsey. Nesse sentido, é preciso correr contra o tempo.
Fonte:https://www.udop.com.br/
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