Em audiência pública, realizada nesta terça-feira (16), na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), representantes de quatro associações que englobam o setor de energia solar cobraram uma maior atenção ao PL 4.831/2023.
O texto, que está em regime de tramitação e que deve ser votado nas próximas semanas, vem gerando um grande debate no setor fotovoltaico desde o momento em que foi protocolado, no final do ano passado.
O documento, que visa discutir a renovação dos contratos de concessão de uma série de distribuidoras pelo país, recebeu a colocação de dois “jabutis” que afetam diretamente os projetos de energias renováveis, sobretudo da fonte solar.
Um dos tópicos acrescidos prevê limitar em até 10% a inserção da GD (geração distribuída) na área de atuação das distribuidoras, de modo que, após o atingimento deste limite, as concessionárias não fiquem mais obrigadas a fornecer pontos de conexão para novos consumidores.
Já o outro visa assegurar a manutenção, de no mínimo, 70% do mercado de energia atual para as concessionárias, não podendo, com isso, haver renovação de contratos no Mercado Livre de Energia na área de concessão das companhias quando este limite for alcançado.
A audiência pública foi solicitada pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ) e reuniu representantes do Ministério de Minas e Energia, TCU (Tribunal de Contas da União), da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e líderes de entidades representativas do setor elétrico.
O encontro serviu para ampliar o debate com entidades do setor sobre projetos que alteram legislação do setor elétrico nacional, sendo o principal deles o PL 4831/2023.
“O encontro é um passo crítico neste processo, oferecendo uma plataforma para debate, colaboração e inovação. O objetivo é ouvir especialistas e avaliar o melhor encaminhamento na busca de um melhor serviço de distribuição de energia à população e o aprimoramento da legislação”, afirmou Leal.
Durante a audiência, os representantes das associações do setor solar foram enfáticos em pontuar que os jabutis do PL 4.831/2023, se aprovados pelos parlamentares, podem gerar grandes prejuízos não só para o mercado solar como para todos os consumidores brasileiros.
As associações do setor que estiveram presentes na audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, foram a ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica); o INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa); o MSL (Movimento Solar Livre) e a ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída).
Confira abaixo o que pontuaram cada uma das associações:
O que disse a ABSOLAR?
Rodrigo Sauaia, CEO da ABSOLAR, iniciou seu discurso dizendo que a fonte fotovoltaica já é uma energia extremamente relevante para a economia brasileira, com quase R$ 200 milhões contabilizados em investimentos privados e mais de R$ 50 bilhões em arrecadação para os cofres públicos nos últimos anos.
Contudo, ele disse que a associação encontra-se bastante preocupada com os pontos previstos pelo PL 4.831/2023 – que são, justamente, os tópicos que querem limitar o crescimento da GD e do Mercado Livre de Energia.
Segundo Sauaia, aprovar esses itens no projeto de lei seria um grande retrocesso para os consumidores, além de atrasar todo o processo de transição energética brasileira para um futuro mais verde e sustentável.
O executivo disse que tal decisão – caso seja tomada pelos parlamentares brasileiros – pode prejudicar a imagem do Brasil no mercado internacional e o protagonismo do setor de energia solar no país – que se tornou o sexto do mundo que mais investiu em fontes limpas e renováveis em 2023.
“A limitação da geração distribuída é algo que não existe em outros países, porque se implementado ameaça a atração de investimentos, a geração de empregos verdes e a arrecadação dos cofres públicos”, disse ele.
Com relação a limitação do Mercado Livre de Energia, Sauaia pontuou que a medida prevista no projeto de lei prejudica os consumidores que buscam reduzir as suas tarifas de energia por meio do ACL (Ambiente de Contratação Livre).
“Isso, primeiro, conflita com todo o esforço que o Governo Federal e a sociedade brasileira vem fazendo de ampliar a participação dos consumidores neste mercado”, disse ele, se referindo a abertura do Mercado Livre de Energia no começo do ano para um maior número de consumidores.
“O número de migrações nestes primeiros três meses do ano já representa 75% de toda a migração que aconteceu em 2022. Estaríamos, com essa medida prevista no PL, tirando dos consumidores o direito de economizar na conta de luz”, ressaltou.
O CEO da ABSOLAR disse ainda que a aprovação dos tópicos presentes no texto causarão um grande problema na expansão da matriz elétrica nacional, uma vez que a mesma não avança mais pelo Mercado Regulado.
“O Governo não faz mais leilões de energia nova e renovável desde 2022. O Mercado Livre de Energia é hoje o espaço onde novos projetos são contratados”, ressaltou.
Nesse sentido, o executivo sugeriu que os parlamentares votem pela retirada no PL 4.831/2023 dos trechos que preveem as limitações da GD e do Mercado Livre de Energia no país.
O que disse o INEL?
Heber Galarce, presidente do INEL, também criticou os dois tópicos listados por Sauaia no PL 4.831/2023, dizendo se tratar de medidas que representam um retrocesso para o país.
O executivo criticou a proposta de renovação automática das concessões para as distribuidoras de energia elétrica. “A renovação de contrato das distribuidoras, por meio de um canetaço, é ruim para o setor elétrico”, disse ele.
“O modelo do sistema elétrico brasileiro mudou muito e temos a oportunidade de dialogar com as distribuidoras e chegarmos a um consenso”, ponderou.
O executivo também aproveitou o espaço para cobrar que as distribuidoras de energia cumpram o acordo firmado com a ABRADEE (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) durante a aprovação da Lei 14.300/2022 – o marco regulatório da geração distribuída.
Galarce destacou o descumprimento da legislação por parte de algumas distribuidoras que não apresentaram estudos técnicos para justificar decisões contrárias ao setor de energia solar prejudicam o sistema elétrico brasileiro.
Segundo ele, o setor de energia solar cumpre fielmente o acordo firmado na Lei 14.300, mesmo que o texto final não seja o ideal para a atividade.
Galarce também defendeu o amplo diálogo para o fortalecimento do sistema elétrico e a discussão do novo papel das distribuidoras, mas com a preservação e cumprimento do acordo inicial que culminou na aprovação do marco regulatório, em janeiro de 2022, em consenso com o setor energético do país.
“No último governo, firmamos um acordo com todo o setor, incluindo Ministério de Minas e Energia e a ANEEL, e me entristece ver a quebra desse acordo, o que é muito grave. O Marco Legal da Lei 14.300 não é o melhor para a energia solar, que deveria ser muito mais incentivada no país”, disse ele.
“Mesmo assim, em consenso, o acordo foi firmado, mas o diálogo tem se perdido, especialmente, com a ABRADEE. Estamos à disposição para dialogar. A GD não é a vilã do sistema. Pelo contrário, ela é positiva para a sociedade e para o sistema elétrico”, complementou.
O que disse o MSL?
Hewerton Martins, presidente do MSL (Movimento Solar Livre) e líder da Aliança Solar – que reúne todas entidades de GD dos estados – iniciou a sua explanação questionando o critério utilizado para limitar o crescimento da geração própria de energia em 10% por meio do PL 4.831/2023.
“Dez por cento do quê? É sobre potência instalada? São das unidades consumidoras? Será 10% da quantidade de energia limpa produzida? Será que é disso que o PL está falando? Percebam que o próprio PL deixa em aberto para ANEEL regular o citado 10% e não sabemos do que se trata. Se for de potência instalada alguns estados já não podem ter mais a geração distribuída, pois já atingiram esse limite”, disse.
Nesse sentido, o executivo afirmou que o tema precisa ser melhor debatido. Ele ainda se mostrou preocupado com uma possível aprovação por parte dos deputados e senadores brasileiros já que se o texto for aprovado terá que passar pela regulamentação da ANEEL.
Segundo ele, isso seria um problema, uma vez que a própria Agência – que também deveria exercer o seu papel de órgão fiscalizador no setor tem assumido publicamente na mídia e nas audiências públicas que não tem estrutura, não vem conseguindo fazer as distribuidoras cumprirem as regulamentações e impor-se diante de eventuais abusos cometidos contra os consumidores que buscam econômica com a energia solar.
Em fevereiro deste ano, o Canal Solar noticiou que diretores da ANEEL afirmaram em audiência pública que as distribuidoras não respeitam mais as determinações da própria Agência em relação ao cumprimento do Art. 73 da Resolução 1.000, que envolve os casos de inversão de fluxo no país.
Ricardo Tili, um dos diretores da ANEEL, chegou a dizer que é “público e notório” que as distribuidoras não só estão descumprindo o que prevê a legislação, como também estão ignorando as determinações da própria Agência.
“Cada a segurança jurídica do consumidor que comprou ou financiou um sistema de energia solar e depois de instalado tem seu projeto revogado? projeto que foi aprovado pela própria distribuidora. Ficamos pasmos com isso, porque as distribuidoras não compram o que diz a legislação da agência reguladora”, disse ele.
Por conta disso, Martins teme que o mesmo pode acontecer com caso o PL 4.831 seja aprovado e regulamentado pela ANEEL. “Achamos importante expor isso, porque se aprova uma lei dessa ela vai passar pela ANEEL. E, passando pela Agência – que não faz a regulação ser cumprida, segundo os próprios diretores – isso nos preocupa muito”, destacou.
O que disse a ABGD?
Carlos Evangelista, presidente da ABGD, disse que a geração distribuída traz inúmeros benefícios para todos os brasileiros, inclusive aqueles que não possuem a tecnologia.
Segundo ele, o Brasil nunca presenciou uma ferramenta tão democrática de acesso à energia e a distribuição de riqueza quando a GD.
“Nos próximos dez anos estão previstos pela ABGD que mais de R$ 154 bilhões em benefícios serão distribuídos entre todos os brasileiros pela geração distribuída e, não somente entre 40 ou mais empresas que querem se beneficiar desta modalidade”, disse ele.
Num segundo momento de sua apresentação, o executivo pontuou que todos os setores têm a obrigação de buscar um consenso com relação ao direito dos consumidores brasileiros poderem gerar a sua própria energia sem grandes intervenções políticas.
“Tem que envolver a ANEEL, os ministérios e todas as associações, inclusive aquelas que pensam diferente. Não tem problema nenhum. O que temos que fazer é contribuir para o que interessa, que é a diminuição do valor da energia elétrica para todos os brasileiros”, ressaltou.
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