A Acelen, braço de energia do Mubadala (fundo soberano dos Emirados Árabes) e dona da refinaria de Mataripe, está de malas prontas para Nova York, onde vai apresentar sua principal aposta para dar escala à produção do combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês): o óleo de macaúba. O principal desafio para a empresa é conseguir fazer uso comercial de uma planta que ainda não tem uma produtividade média garantida.
A empresa anunciou no ano passado que investirá cerca de US$ 2 bilhões – pouco mais de R$ 11 bilhões pelo câmbio atual – para produzir a palmeira nativa brasileira, que pode entregar dez vezes mais óleo do que a soja, referência quando o assunto é biocombustível, a um custo 70% menor.
“Ainda não existe o petróleo da biomassa. Existem alternativas: o etanol, a palma, a própria soja. O que limita é ter matéria-prima. O desafio da indústria hoje é achar uma origem competitiva para investir nela”, disse o vice-presidente de novos negócios da Acelen, Marcelo Cordaro.
Os US$ 2 bilhões previstos para o projeto agrícola serão usados para viabilizar o cultivo da macaúba. O executivo diz que a planta ainda precisa ser “domesticada”, ou seja, passar por um processo de melhoramento genético para estar adequada ao uso comercial. Para isso, a empresa está investindo na construção de um centro de tecnologia em Montes Claros (MG), em parceria com a Embrapa.
A ideia é que as primeiras mudas comecem a ser cultivadas já no ano que vem. O ciclo de produção da macaúba é de três a cinco anos, com a primeira colheita prevista para 2029 e produção plena a partir de 2035. Até obter o abastecimento 100% de macaúba, a planta irá processar outros óleos vegetais, como o de soja e milho e gordura animal. “É um projeto que começa na semente e vai até o combustível, tudo integrado, para que possamos dominar nosso feedstock”, acrescenta Cordaro.
Os investimentos na macaúba representam dois terços do que a empresa da Mubadala Capital pretende investir no projeto. Uma outra parcela, de US$ 1 bilhão, será destinada à construção da planta industrial na Bahia, ao lado da refinaria de Mataripe, também de propriedade do grupo. A ideia é que a infraestrutura da unidade seja compartilhada com a biorrefinaria.
Caso a refinaria de Mataripe seja vendida de volta para a Petrobras (as conversas para um acordo estão na reta final), a biorrefinaria ficará de fora do negócio. Trata-se de um outro CNPJ, o da Acelen Renováveis, unidade que poderá até vir a ter a estatal brasileira como uma sócia minoritária.
O início das obras da biorrefinaria de Mataripe está previsto para 2025. E a expectativa é de que os primeiros barris sejam produzidos no primeiro trimestre de 2027. Utilizando uma tecnologia já dominada pela indústria, o HEFA (Hydroprocessed Esters and Fat Acids) – que transforma óleos vegetais em SAF ou diesel verde (HVO, em inglês) –, a planta terá capacidade de produzir 20 mil barris de combustível verde por dia, ou 1 bilhão de litros anuais.
“A vantagem do SAF e do HVO é que eles são compatíveis com os motores à combustão atuais e precisam de pouco ajuste”, prossegue Cordaro. O objetivo é que o produto da biorrefinaria de Mataripe seja exportado para mercados onde o SAF já está regulado: Estados Unidos, Canadá, Oriente Médio e União Europeia.
No Brasil, as discussões – e possíveis incentivos fiscais – ainda estão em debate no Congresso, com o projeto de lei do Combustível do Futuro.
A dúvida é se os estrangeiros terão, de fato, interesse em importar o combustível pronto, um produto de maior valor agregado — logo, mais caro –, além do custo logístico. Outro ponto de atenção é garantir a viabilidade comercial da macaúba. Isso porque ela é a aposta para o barateamento do SAF e, caso ele não se mostre viável, a biorrefinaria teria que seguir utilizando outros óleos, como o de soja, que custam mais.
Desafio do custo
O executivo da Acelen reconhece que “algum incentivo fiscal no começo” será necessário para que o SAF decole, seja ele de qual matéria-prima for. O motivo é que o custo do biocombustível pode ser até cinco vezes maior que o querosene de aviação tradicional. A dificuldade está, principalmente, em aumentar a oferta do produto.
Dados mais recentes da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, sigla em inglês) mostram que a produção de SAF mais que dobrou no ano passado, de 240 mil toneladas em 2022 para 500 mil toneladas. Apesar disso, o crescimento é muito abaixo – hoje, a oferta do biocombustível dá conta de apenas 0,5% da demanda total por combustíveis de aviação.
No Brasil, com a aprovação do PL do Combustível do Futuro, as companhias aéreas serão obrigadas a adotarem o SAF gradualmente em seus aviões a partir de 2027. Executivos de empresas como Gol e Latam já manifestaram preocupação com o alto custo do biocombustível e pedem medidas de incentivo, conforme mostrou uma reportagem recente do jornal O Globo.
Macaúba na Big Apple
Marcelo Cordaro vai levar a estratégia da Acelen para os combustíveis renováveis a uma plateia de investidores em um evento promovido na Universidade de Columbia, em Nova York, em 18 de setembro.
O encontro, chamado Brazil Climate Summit (BCS), vai reunir investidores interessados na tese da energia lima – dos 500 convidados previstos, pelo menos metade será de gringos, explica Jorge Hargrave, diretor da Maraé Investimentos, um dos organizadores. “Teremos 30 empresas brasileiras mostrando seus cases. Esse movimento em conjunto torna mais poderosa a relação com os investidores”, acrescenta.
Cordaro dividirá um painel sobre SAF com a Raízen, que aposta em outra tecnologia de combustível sustentável para aviação, o Alcohol-to-jet (ATJ), a partir do etanol. Na mesa haverá representantes da Latam e da Iata.
Comments